Quando a realidade se serve
... do absurdo para chegar à verdade.
Numa notícia que saiu ontem (06/05/2020) no DN ficamos a saber pelo estudo do BdP que a "pandemia penaliza mais o rendimento dos ricos do que dos pobres". Ora vejamos como segue a demonstração.
Comecemos pela tese que se prova no relatório do BdP: pandemia penaliza mais rendimento dos ricos do que dos pobres.
As hipóteses são:
- a doença não se agrava;
- não existe uma segunda vaga;
- não há extensão do regime de lay-off;
- não há ainda mais despedimentos;
- não há mais desemprego;
- não se encerram mais empresas.
O teorema do BdP é este: se 1, 2, 3, 4, 5, 6 são verdade então a pandemia penaliza mais o rendimento dos ricos do que dos pobres.
A lógica de primeira ordem funciona assim. Basta que uma das premissas seja falsa para que a conclusão não seja suportada. A falha de uma delas vem já com a segunda vaga de contágio que está aí a chegar1.
Mas mostra outra coisa surpreendente, revelada na conceção do BdP, e talvez não só dele, que o rendimento dos ricos está inerentemente dependente do trabalho dos pobres.
Tal como na crise de 2008 a pandemia penalizará mais o rendimento dos pobres do que o rendimento dos ricos.
De tão evidente pena se usa o absurdo para mostrar o que toda a gente já sabe. Que por vezes para dizer a verdade nem sequer é preciso mentir.
1. Ver e.g. o estudo efetuado pela epidemiologista Gabriela Gomes,
Criado/Created: 07-05-2020 [11:38]
Última actualização/Last updated: 27-11-2024 [17:00]
For attribution, please cite this work as:
Charters, T., "Quando a realidade se serve": https://nexp.pt/ddr/absurdo.html (07-05-2020 [11:38])
(c) Tiago Charters